Leis de uso obrigatório do agregado reciclado: um balanço de mais de 15 anos de expectativas

Há anos os empresários do setor de usinas de reciclagem de RCD acreditam que as leis que tornam o uso do agregado reciclado obrigatório nas obras públicas salvarão as unidades de reciclagem de resíduos, porém, a realidade é hostil.

A obrigatoriedade do uso de agregados reciclados em obras públicas, garantida por lei, é vista há anos como a salvação para as unidades de reciclagem de resíduos da construção civil. No entanto, essa crença se choca com a realidade do setor.

A primeira lei sobre uso obrigatório do agregado reciclado pela prefeitura é de 2005 da cidade de Araraquara, região central do estado de São Paulo.

Já a cidade de Guarulhos, região metropolitana e conurbada à cidade de São Paulo, tem uma lei desde 2008 que obriga a prefeitura a usar 100% de agregado reciclado em obras públicas subordinadas à prefeitura.

Caso a prefeitura de Guarulhos cumprisse a legislação do município, o órgão público não teria nenhum problema quanto a oferta de material reciclado, já que a cidade sedia pelo menos sete usinas de reciclagem de RCD

Lei sobre o uso de agregado reciclado
Uma lei que obrigue o município a usar o agregado reciclado não garante sucesso às usinas de reciclagem de RCD

Uma lei ou qualquer mecanismo infra ou supra legal não tem um efeito imediato sobre o mercado de usinas de reciclagem de RCD, sobretudo por esses textos refletirem uma vontade pessoal do administrador, que pode ser o prefeito ou o governador, e não necessariamente uma realidade com condições reais.

No Brasil há leis que pegam e leis que não pegam. Há leis mal feitas que pegam e leis bem feitas que não pegam.

Particularmente no caso das leis sobre o uso obrigatório do agregado reciclado, todas são cópias uma das outras com textos decrépitos, pobres e incrivelmente mal redigidos.

Um projeto de lei que abarque o uso de agregado reciclado já nasce morto em virtude da inobservância de diversos fatores e da ausência de coesão sobre o tema. Há cidades que apenas liberam as obras a utilizarem, outras que estimam uma porcentagem e a maioria são genéricas sobre as aplicações.

Cabe ao município legislar sobre um tema técnico? Se sim, seria necessário a câmara municipal aprovar o papel reciclado, a água de reúso, o asfalto verde, entre outros produtos e processos que demandam uma abordagem diferenciada.

Não está no nível de entendimento de um vereador a granulometria do agregado reciclado, o nível de passadas do compactador numa via pavimentada com o material, tampouco o índice de suporte para determinado material.

No imaginário do empresário do setor de RCD, uma lei que obrigue o município a usar o agregado reciclado será o fim dos seus problemas – notoriamente a dificuldade em vender agregado reciclado.

Mas no espectro da possibilidade em a prefeitura ou o órgão público usar o agregado reciclado, está a dificuldade das obras em entender o material, a pouca vontade do funcionário público em aderir a novas tecnologias e o baixíssimo nível cultural na produção de leis nos estados.

Para redigir uma lei ou um decreto, o órgão público deveria pesquisar sobre o tema, ouvir os interessados e engendrar uma norma que consiga atender aos anseios da sociedade de forma a corrigir injustiças e a promover a compensação, ou seja, o agregado reciclado deveria ser uma política pública de compensação ambiental, indiferente se o A.R. fosse mais ou menos barato.

Os projetos de leis encontrados nos sites das câmaras municipais e nas assembleias são basicamente textos feitos com inteligência artificial, copia e cola de leis de outras cidades e reciclagem de conteúdos de notícias e reportagens. A maioria inclusive são nulas em sua essência, seja pelo aspecto legal ou até na própria instância – matéria de competência estadual apresentada na câmara ou assunto restrito à união sendo discutido na assembleia.

Sebastiao | Abrecon
O agregado reciclado é um produto desconhecido pela maioria das cidades, mesmo aquelas com leis sobre o uso obrigatório do material

Acontece que as leis municipais pintam o agregado reciclado como produto “barato”, com aplicação restrita e pouca oferta. Isso não vem da cabeça do autor, mas do texto que o prefeito ou o administrador copia em buscas na internet.

A gestão dos resíduos da construção pelos estados e municípios é, em grande parte, gerenciada de forma muito precária. Embora o Brasil seja uma referência na reciclagem de RCD com mais de 400 unidades de reciclagem de entulho em 2025, empreender no setor ainda é um desafio.

Dados da Pesquisa Setorial Abrecon 2024, a mais recente com informações das unidades de reciclagem de RCD, o valor de recepção dos resíduos da construção fica em média R$ 25,00 o metro cúbico, valor insuficiente para pagar o custo de processamento do material – triagem, britagem e peneiramento.

Aqui registramos um ponto crucial, pois mesmo que a planta de reciclagem de entulho não possua mesa de triagem, ela paga o custo de catação no chão, que é de longe a técnica mais cara para a limpeza do resíduo da construção.

Circular2 | Abrecon
Mesmo o agregado reciclado sendo mais barato do que o agregado natural, o produto ainda é objeto de preconceitos e desconhecimento

Portanto, a lei local sobre uso obrigatório não é a saída para o escoamento do agregado reciclado e tem sido utilizada como “bala de prata” para salvar os empreendimentos sem nenhum planejamento.

O que tem dado certo é o compromisso do órgão público na aquisição de agregado reciclado baseado em critérios técnicos e ambientais, ante uma lei mal feita e copiada de outro município.

Sobre o autor
Compartilhe este post:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp