O maior concorrente das usinas de reciclagem de entulho são os lixões que poluem as águas, contaminam o solo e drenam recursos públicos. O encerramento desses crimes ambientais esbarra na boa vontade dos prefeitos.
Mais uma vez falando dos lixões que impactam a vida de milhões de pessoas e que não estão na lista de prioridades dos órgãos públicos.
A história dos lixões no Brasil é longa e, obviamente, não poderia desaparecer simplesmente por uma lei, seja ela estadual ou federal.
Primeiro, vamos desmistificar o funcionamento dos lixões, sobretudo numa realidade local, a partir do município sem romantismo característico de reportagens na TV e na internet.
É sempre importante reforçar que lixão não é aterro sanitário. Do ponto de vista normativo, o aterro sanitário utiliza de técnicas de engenharia para confinar o resíduo, bem como, conta com uma série de estrutura para tratar líquidos oriundos da decomposição do material e até monitoramento das células de resíduo, portanto, os aterros sanitários são locais legais, licenciados e adequados para a destinação dos resíduos sólidos urbanos.
Os lixões servem para os municípios economizarem milhões de reais em transporte e destinação dos resíduos. Também é a forma como diversos setores do comércio e indústria conseguem amealhar recursos financeiros e reduzir o recolhimento de taxas ambientais.
Apesar de ser um retrocesso civilizatório, o lixão nem sempre é visto e muitas vezes está escondido em vales, estradas rurais, rios, represas e voçorocas. Nos casos de regiões povoadas, ainda tem uma pressão por parte dos moradores, que em alguns casos até conseguem, com muito suor, a redução ou até o seu encerramento.
É importante também mostrar que os lixões já não são problemas unicamente ambientais, mas já estão sendo tomados pelo crime organizado como forma de domínio territorial e cobrança para entrada na área.
Assim como a máfia italiana que construiu um verdadeiro império envolvendo políticos e empresas “traficando” lixo na região da Campania, o país avança para entregar às facções a gestão de lixo e entulho.
É difícil acreditar, mas o primeiro prazo para encerrar os lixões se deu há 22 anos por meio da resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA nº 307, com validade de lei.
O segundo prazo se deu no âmbito da Política Nacional de Resíduos Sólidos, lei nº 12305/2010 juntamente com os preparativos do Brasil para a Copa do Mundo de 2014.
Já o terceiro prazo de encerramento dos lixões está no artigo 54 do Marco Legal do Saneamento Básico, lei nº 14026/2020 e previa o encerramento de todos os lixões até o dia 02 de agosto de 2024.
Seja a partir dos prazos da resolução do CONAMA nº 307, da Política Nacional de Resíduos Sólidos ou até do Marco Legal do Saneamento Básico, pouco foi feito para responsabilizar o gerador do resíduo ou reduzir e acabar com os lixões e sequer temos dados e informações críveis sobre os lixões, ficando a cargo de cada entidade setorial de resíduos apresentar um número
Os municípios reclamam que não têm dinheiro, os estados fazem vistas grossas e o governo federal não provoca a discussão, tampouco consegue evoluir em soluções em conjunto com a sociedade e especialistas.
Ainda há um problema grave sobre estatísticas e definições, pois cada estado resolve encerrar seus lixões com critérios escolhidos por eles mesmos, ainda que não haja encerramento e recuperação da área.
Nos seminários locais e nacionais, a discussão é inexistente e raramente o tema é abordado com seriedade e profundidade.
Há uma inércia sobre o assunto no Brasil na esteira de discursos vagos de estados sobre o suposto encerramento de lixões.

Como um estado pode afirmar que encerrou seus lixões sem seguir etapas óbvias para alcançar esse status? Não há relatório sobre os lixões encerrados, não há informações sobre a destinação de lixo e entulho dos municípios e sequer legislação sobre geração e transporte nas cidades…
Devido a ausência de um pacto nacional sobre os lixões, cada estado afirma o que é conveniente e de acordo com o que ele acha “certo”. Alguns estados brasileiros contam com mais de 300 lixões e afirmam possuir apenas 7 áreas registradas.
Outros se escondem em nomenclaturas. O termo “aterro controlado” nada mais é do que um lixão com cerca. Pois bem, essa nomenclatura oculta a condição real de espaços que estão recebendo lixo e entulho há anos sem nenhum controle por parte de prefeituras ou dos estados, mas são considerados “controlados” pela justiça ou por órgãos de controle.
Os lixões são resultado de anos e anos de omissão e negligência do poder público e passaram a ser crimes ambientais somente na contemporaneidade, mesmo com precedente legal a partir da década de 1970
Para acabar com os lixões no Brasil:
- Criar uma autoridade nacional e regional para identificação e monitoramento de áreas degradadas pelo poder público
- Divulgar anualmente a relação de lixões por estado
- Definir metas e objetivos para encerramento e revitalização de lixões nos estados
- Criar uma plataforma para receber denúncias de lixões e áreas clandestinas voltada aos resíduos
- Criar uma norma técnica para identificação, monitoramento e encerramento de lixões e áreas degradadas
- Criar um sistema de monitoramento em tempo real das áreas com cruzamento de dados dos satélites, câmera em loco e dados da destinação dos resíduos por parte da prefeitura
- Criar instruções para a regulamentação do transporte de resíduos da construção, com foco na responsabilidade do gerador
- Criar um mecanismo para revitalização de áreas degradadas com resíduos a partir da responsabilização dos usuários do espaço
- Criar instruções para investigação de áreas clandestinas com orientação aos órgãos ambientais estaduais
- Estimular startups a criarem modelos de gerenciamento e monitoramento de resíduos da construção
- Regulamentar contribuições e taxas para o financiamento do sistema de limpeza urbana
Os lixões no Brasil devem entrar na agenda dos governantes com o risco de aprofundarmos ainda mais a crise dos resíduos sólidos.
No estágio atual não chegaremos a metas minimamente sérias e os lixões serão seguramente os maiores sabotadores da agenda ambiental.