A realidade dos aterros clandestinos de entulho no Brasil

Os aterros clandestinos de lixo e entulho é a manifestação mais clara e contundente da negligência do poder público, especialmente a prefeitura que nada faz, e pior, trabalha para manter seus aterros clandestinos e beneficiar o setor da construção civil.

De acordo com a Controladoria Geral da União (CGU), até 2020 eram 2162 aterros clandestinos de lixo e entulho operando plenamente no Brasil. Já dados da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente – Abrema, diz que são 2847 lixões em operação até 2022.

A história dos aterros clandestinos no Brasil é cultural. Desde as pequenas até as mega construções foram erguidas baseadas no afastamento do resíduo, ou seja, em gerar, eventualmente transportar e descartar no primeiro terreno vazio que encontrar.

Atualmente existem bairros inteiros que foram regularizados com lixo e entulho oriundo de obras importantes da década de 1940, 50 e 60. Na capital paulista temos os bairros da Vila Guilherme, Vila Maria, Santana e adjacências com geração de gases da decomposição de lixo desde pelo menos os anos 1980 e com recorrentes incidentes nos últimos 20 anos.

O adensamento das cidades juntamente com a escassez de espaço reduziu sensivelmente o movimento dos aterros clandestinos nas capitais ou a construção de áreas irregulares com base em entulho e lixo, pelo menos o acesso a esses espaços ficou um pouco difícil.

Por outro lado, os crimes ambientais associados ao descarte irregular de lixo e entulho, como desmatamento, invasão de terras, aterramento de rios, lagos e mangues, entre outros, ficou mais evidente e pesquisas acadêmicas mostram os prejuízos de ações desse tipo no ambiente. Isso deu impulso para que algumas cidades regulamentassem a gestão do RCD (Resíduos da Construção e Demolição) a partir do transporte.

Mas ainda com todos os prejuízos constatados e provados por estudos em diversos níveis, há uma cultura predominante das cidades e dos órgãos públicos em não notar esse problema e jogar as decisões para o futuro ou para a próxima gestão.

Descarte clandestino de lixo e entulho
Marco Legal do Saneamento Básico e aterros clandestino de ENTULHO. Embora a legislação exija o financiamento do sistema de gestão dos resíduos, a maioria dos municípios pagam a destinação do entulho para as construtoras.

É sabido que além dos prejuízos ambientais e sociais, o descarte clandestino de lixo e entulho tem reflexos na saúde pública.

Calcula-se que os aterros clandestinos têm levado água contaminada para rios e para os lençóis freáticos, aumentando significativamente os custos com coleta e tratamento da água. A contaminação da água é, em si, um fator que emerge como ameaça à existência de vida na região, porém, os aterros clandestinos, além de contaminar a água, inviabilizam os espaços para qualquer atividade, contaminam o ar e o solo e geram incômodos de toda ordem.

A realidade nua e crua é que dos mais de 2000 aterros clandestinos de lixo e entulho reconhecidos pelas autoridades, grande parte é conhecido e sabido pela administração local e há políticas de estímulo ao descarte clandestino de entulho em locais inadequados.

Do ponto de vista técnico, um aterro clandestino é um local com pouca ou nenhuma estrutura para receber e tratar os resíduos, que em geral, há grande impacto ambiental, assim, dos mais de 2000 aterros clandestinos reconhecidos, há muito mais que, embora operem em condições irregulares, não são vistos como ilegais, ao contrário, em alguns casos até reconhecidos com licenças ambientais com validade ad aeternum.

No âmbito estadual, acontece o mesmo: políticas públicas de estímulo aos crimes ambientais com a mais sofisticada estratégia para levar a crer que o órgão público tem compromisso com a causa ambiental, sempre com a contribuição de ideias e projetos sem o mínimo de racionalidade da indústria da construção organizada. 

Não existe um pacto nacional para o encerramento dos aterros clandestinos de lixo e entulho, embora tanto a resolução CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente) nº 307/2002, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos nº 12305/2010 estabeleçam prazos para o encerramento desses locais e, mais recentemente, o Marco Legal do Saneamento Básico, lei nº 14026/2020 para coadunar com a ideia sobre o destino legal dos resíduos sólidos.

Aterro clandestino pegando fogo em Sorriso - MT
Descarte clandestino de lixo e entulho no lixão de Sorriso – MT

A realidade dos aterros clandestinos de lixo e entulho é que os cidadãos não assimilam a ideia, bem como, há um trabalho coeso, bem feito e muito estruturado da indústria da construção civil em manter o status quo e transferir para os segmentos mais desorganizados a sua responsabilidade.

Os aterros clandestinos são “soluções” na medida para a indústria da construção civil, especialmente porque a existência desses locais reduz o custo desse setor na destinação dos entulhos e na gestão dos resíduos no canteiro de obras. Além disso, as construtoras repassam seus custos para a prefeitura e mantém seus privilégios às expensas de muito lobby e pouquíssima organização e resistência da sociedade.

A prova cabal dessa história é a construção de um plano nacional de resíduos sólidos em conluio com a indústria da construção e delegado à entidades setoriais sem qualquer conteúdo técnico e baseado em nada. Absolutamente nada.

Ou seja, não é por acaso, é um sistema muito sofisticado, organizado e extremamente profissional focado unicamente em manter e preservar privilégios de um setor em detrimento da sociedade e do cidadão.

Sobre o autor
Compartilhe este post:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Aterros clandestinos de lixo e entulho são CRIMES AMBIENTAIS