Sistema lançado há 10 anos prometia revolucionar a gestão dos resíduos da construção e demolição no Estado de São Paulo, porém, mal consegue monitorar o transporte de RCD e ainda serve para legalizar os crimes ambientais.
O Estado de São Paulo possui um sistema de monitoramento dos resíduos da construção que nunca alcançou 2% dos municípios paulistas. Em parte porque o sistema é ruim, mas também pela falta de interesse do órgão público em melhorar e aperfeiçoar a ferramenta e controle dos resíduos no estado. |
Por meio da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (atual SEMIL), lançava em 2014 um projeto para o monitoramento dos resíduos da construção numa parceria com a indústria da construção. Era, segundo eles, “inovador, pioneiro e gratuito para o município que aderisse a esta iniciativa”.
A ideia era boa, pois de certa forma transformava a papelada dos CTR (Controle de Transporte de Resíduos) em um sistema supostamente inteligente e informatizado.
No fundo o sistema era até interessante, uma vez que, consolidava a massa de resíduos integrando a realidade local com ferramentas tecnológicas por parte do estado. Assim, tanto o município como o estado teriam mecanismos e acessos para focar nos problemas. Era a primeira vez que teríamos um modelo de geração de resíduos em tempo real.
O CTR (Controle de Transporte de Resíduos) já é uma obrigação por parte do gerador a partir de 2002 e em caráter normativo a partir de 2004.
Ter um pedaço de papel para comprovar a destinação dos resíduos é até hoje o mais comum nas cidades que obrigam os atores a preencher esse documento. E até mesmo os sistemas eletrônicos são basicamente formulários que substituem os papeis sem nenhum mecanismo de controle real.
A base legal do sistema de rastreamento de resíduos está na lei estadual 12300/2006 e no decreto estadual nº 60520/2014. O módulo da construção civil foi definido por meio da resolução SMA nº 81/2014 que também formalizou o convênio entre a SMA (atual SEMIL), Cetesb e Sinduscon – SP.
A folha de papel, pelos inúmeros problemas frente à fiscalização e pela suscetibilidade às fraudes e as falsificações, dificultava o controle pelas construtoras, bem como, não dava garantia da destinação correta e legalizada.
A demanda da construção civil visava organizar um ambiente caótico, sobretudo na região metropolitana de São Paulo, sem controle por parte do município, muito menos dos órgãos ambientais do estado ou da união.
A verdade é que até a década de 2010 mais de 80% dos resíduos da construção e demolição eram descartados de forma clandestina e irregular. O comércio de CTR (Controle de Transporte de Resíduos) era algo normal e até aceito pelos geradores. Era comum motoristas trabalharem com carimbos e papelotes de tickets de diversos aterros na cabine do veículo.
Então o SIGOR surge como um sistema oferecido pela construção civil baseado nas necessidades do setor, sem ouvir as queixas dos transportadores e muito menos dos destinatários – ATT, aterros de inertes e usinas de reciclagem de RCD.
Atualmente, grande parte dos municípios não exigem sequer um papel para comprovar a destinação dos resíduos, e aquelas que exigem, é algo bem precário.
Substituir o papel por um sistema inteligente é mais do que urgente para combater e acabar com os crimes e infrações ambientais relacionados com a gestão do RCD. Ainda, é também uma forma de atacar a sonegação de impostos municipais e construir informações com dados da geração, transporte e destinação em tempo real.
Todavia, ainda que a iniciativa fosse registrada em nome da Secretaria de Meio Ambiente (atual SEMIL), o sistema foi e é desenvolvido e mantido por empresas sem qualquer atuação no segmento de resíduos da construção, nem experiência, tampouco conhecimento sobre o setor.
Assim, o sistema que deveria substituir o papel por uma inteligência computacional nada mais é do que um dos maiores atrasos na gestão dos resíduos da história. É literalmente uma pedra no caminho para o desenvolvimento de novas tecnologias e novas associações.
O SIGOR não registra nem 20% das caçambas estacionárias nos municípios que, segundo a secretaria de meio ambiente, estão operando. De acordo com dados das próprias prefeituras, não há informações sobre geração e transporte de resíduos críveis, pois em grande parte, o sistema é utilizado apenas para formalizar a destinação, desconsiderando inclusive o volume e a caracterização do resíduo.
Sem informações sobre a geração, transporte e destinação dos resíduos da construção é impossível construir e desenvolver um plano de resíduos regional ou estadual decente. E é exatamente isso que aconteceu em 2020 com o estado de São Paulo delegando a produção de um plano estadual em virtude de não possuir informações nem dados sobre o segmento de resíduos da construção.
Em outros termos, a comprovação de que o sistema estadual é inócuo é o Plano Estadual de Resíduos Sólidos lançado em 2020, seis anos após o lançamento do SIGOR. O Plano, que deveria ser uma ferramenta para o estado superar as questões ambientais, não tem começo, meio nem fim, não conversa com dados reais e nem aponta metas factíveis, além de tergiversar sobre diversos assuntos com opiniões pessoais sobre os itens.
Em 2025 a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística – SEMIL não sabe quantas usinas de reciclagem de resíduos da construção operam no estado mais pujante da nação. Como é possível construir uma política ambiental, com destaque para a destinação e reciclagem do RCD sem informação?
A despeito das cidades que a Secretaria de Meio Ambiente, Logística e Infraestrutura – SEMIL, de 16 municípios, 4 têm lixões (não confundir com Aterros Sanitários) e 15 não tem legislação específica sobre o transporte de resíduos.
Desses municípios que supostamente estão relacionados como conveniados com a CETESB, metade tem apenas termos de compromisso ou até mesmo convênios assinados mas não avançam para a fase operacional, ou seja, não usam o sistema do estado.
Não parece que a CETESB domine as questões relacionadas a resíduos da construção, pois em seu planejamento estratégico de 2023, 2024 e 2025 não há sequer a palavra resíduos da construção ou SIGOR. Ou seja, para eles não há nenhuma melhoria a ser feita no sistema tampouco no combate aos crimes e infrações ambientais.
Quando o sistema foi lançado, em meados de 2014, o plano era atender as 645 cidades paulistas até 2018. Pois bem, estamos em 2025 e até agora o SIGOR atende pouco menos de 2% das cidades paulistas.
O SIGOR, de acordo com a Secretaria de Meio Ambiente, é gratuito para o município com plano municipal de resíduos sólidos, ou seja, para aquelas cidades que pretendem implantar o sistema estadual de resíduos da construção, basta apresentar seu plano municipal juntamente com as informações sobre os destinatários de RCD na cidade ou na região. Pronto. A cidade já está habilitada para receber o sistema.
Ser gratuito é excelente para o erário local, contudo, essa condição não o exime de ser ruim e atrasar o avanço tecnológico, além de aterrar toda e qualquer iniciativa local, especialmente start up com ideias para acabar com os crimes ambientais e rastrear o resíduo do início ao fim.
Ao longo de mais de 10 anos do sistema nunca houve atualização da plataforma, nem mesmo um relatório de desempenho para apresentar à população dados do sistema e eventualmente coletar sugestões da sociedade e da comunidade científica.
Aceitar um sistema ruim ainda não é suficiente para a secretaria de meio ambiente, pois a mesma ainda não destaca funcionários para o atendimento às demandas daqueles municípios que aceitaram o “presente” do estado. É um ciclo vicioso, porque é ruim em virtude de não possuir atendimento por parte do poder público e não tem um atendimento mínimo porque é ruim. E assim eles insistem numa mentira.
Numa busca na internet sobre dados do sistema é possível encontrar uma apresentação sem data sobre o SIGOR com um suposto case de sucesso da cidade de São José do Rio Preto. Segundo o responsável pela plataforma, a cidade do interior de São Paulo gerou 5257 CTRs ao longo de 18 meses.
Uma cidade com meio milhão de habitantes deveria gerar, num cenário realista, algo em torno de 1500 CTRs por mês.
A baixíssima adesão das cidades paulistas é apenas um sintoma da dificuldade dos servidores do estado em entender a questão do RCD aliado a uma tecnologia retrógrada, hermética e que não espelha as reais necessidades do setor.
O Sigor é um sistema travestido de inovação que nunca atingiu o seu objetivo.
Mais uma vez o lobby da construção impõe a sua agenda em um órgão público decrépito e incapaz de responder às demandas ambientais do estado.
A justificativa oficial da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística é que “o governo não tem orçamento para o desenvolvimento de sistemas nem para o plano estadual de resíduos sólidos”. Ou seja, não tem orçamento e nem é prioridade.
A política ambiental adotada pelo governo de São Paulo mostra que resíduos e preservação ambiental não fazem parte da sua agenda, bem como, por indiferença à causa, mantém um sistema eletrônico que há 10 anos não cumpre seu papel e serve apenas para endossar uma publicidade demagógica por parte do lobby da indústria da construção e de entidades setoriais pouco comprometidas com a causa ambiental.
O estado de São Paulo não é exemplo na gestão dos resíduos da construção e peca pela parcialidade na condução de políticas públicas ambientais, notadamente privilegiando as construtoras em detrimento da destinação e reciclagem dos resíduos.
A ideia era boa, mas a condução é uma tragédia.
O SIGOR é a antítese da eficiência e mostra como uma ideia boa pode ser sequestrada por grupos interessados em destruir o patrimônio público.