Lixões no Brasil: criança sem mãe

O fim dos lixões e aterros clandestinos

Não há indícios de que os municípios irão encerrar seus lixões. Também não há absolutamente nenhuma perspectiva para que os estados desenvolvam políticas para a identificação e monitoramento de lixões e o seu fechamento.

Vinte e dois anos depois aqui estamos com o Brasil ostentando a marca de mais de 3000 lixões sem nenhuma política pública para a redução e fechamento desses espaços que assolam a população mais carente.

O otimismo sobre o fechamento dos lixões foi maior no lançamento da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a lei 12305 de 2010, mas passados 14 anos, já não vemos tantas discussões a respeito desses crimes e o horizonte não parece mais possível.

O novo marco legal do saneamento básico (lei nº 14026/2020) impõe às cidades novas metas para o encerramento de aterros clandestinos de lixo e entulho.

No geral, tanto a resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) nº 307, assim como a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Marco Legal do Saneamento Básico fizeram a diferença para algumas cidades. É fato que alguns lixões foram encerrados em virtude dessas leis.

Nesse ambiente, ainda que precário, o Brasil é um dos poucos países que reconhece a existência dos lixões e tem metas para o seu encerramento.

O arcabouço legal e regulatório permite, por exemplo, que um promotor de justiça ajuste com o prefeito, governador ou secretário o encerramento de um lixão. Permite também que a população cobre, baseado no que está na lei, ações efetivas do prefeito e dos vereadores para a recuperação dessas áreas. Tudo baseado nas leis e normas.

É importante ressaltar que a existência de lixões (ou aterros clandestinos, ilegais ou irregulares) não é crime apenas no bojo das leis federais citadas acima, mas também no escopo da Política Nacional de Meio Ambiente, lei nº 6938/1981, Leis de Crimes Ambientais, nº 9605/1998 e da própria Constituição Federal, Art. 23 parágrafo VI e VII.

Na negligência ou omissão do prefeito, há chances concretas de o servidor sofrer as consequências da lei 8429 de 1992, artigo 1º – Atos de Improbidade Administrativa associado a alínea 2ª, art. 35 da lei 14026 com renúncia fiscal ou subsídio financeiro a ente privado.

A propósito, dos aterros clandestinos da maioria das cidades, há, inegavelmente, uma papel preponderante da cidade (prefeitura) nos subsídios financeiros de grandes construtoras, ou seja, a prefeitura empenha verba para pagar a destinação do lixo e entulho para grandes empreendimentos em detrimento do interesse público. É o dinheiro dos impostos pagando a farra dos lixões.

CanoasEntulho | Abrecon
Os lixões são espaços que operam com a permissão e conivência das prefeituras.

A ideia dos prazos e problemas resultantes dos lixões está presente no dia a dia das entidades setoriais justamente porque há uma variedade de leis e normas reforçando a necessidade em fechar esses locais.

Por outro lado, embora haja leis e normas sobre encerramento dos lixões no Brasil, até hoje ninguém, nem estado, nem município, muito menos as associações resolveram adotar o tema para discutir e entender.

A criança não tem um pai, assim, não se sabe direito quantos aterros clandestinos de lixo e entulho existem no Brasil nem quantos estão encerrados. Não se sabe nem há metas para a recuperação de espaços degradados. Não há sinergia entre os estados e municípios e a defesa civil não se comunica com a pasta de meio ambiente.

Vergonhosamente nenhuma entidade desenvolveu uma norma ou diretiva para a recuperação de aterros clandestinos. A principal entidade de normas técnicas não têm sequer uma orientação para a recuperação de áreas degradadas com resíduos sólidos.

Se juntar as associações dos diversos resíduos numa sala ninguém vai conseguir definir claramente o que é um lixão, aterro clandestino, irregular ou criminoso. Sequer há uma definição do que é lixão, a partir de qual tamanho, altura, largura, quais resíduos…

A visão sobre os aterros clandestinos de lixo e entulho é bisonha e amadora. Não há um monitoramento dos locais nem um caráter científico sobre os crimes, logo, tanto o número de locais como a forma como se lida com eles é avacalhada. 

A realidade é que paira no ar uma ideia de que os lixões estão no interior e que as capitais estão livres desse problema. Também é verdade que muitos especialistas ratificam essa ideia em virtude de não entenderem a dinâmica dos crimes nas capitais ou regiões metropolitanas.

Há anos dizem que estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, entre outros,  não têm mais lixões. Como isso pode acontecer se os dados do SINIR não apresentam geração de resíduo suficiente para esses estados?

O próprio site do SINIR (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos) apresenta dados duvidosos sobre o cenário da destinação de resíduos e, equivocadamente, mostra as informações sobre descarte clandestino considerando apenas RSU (Resíduo Sólido Urbano).

Não haverá uma nova lei com novos prazos de encerramento dos lixões nos próximos 5 anos ou mais, assim como tivemos grandes períodos de vácuo entre a Conama 307 e a Política Nacional de Resíduos Sólidos e esta com o Marco Legal do Saneamento Básico, mas será necessário que a ideia avance para o nível normativo de forma a ter critérios mais objetivos para identificar e monitorar um lixão.

Também será necessário um empenho maior das secretarias municipais e estaduais no uso de tecnologia de identificação desses crimes, sabiamente imagens de satélites e drones de reconhecimento, visando reduzir o esforço de pessoal e aumentar o uso de inteligência artificial e “machine learning”, semelhante ao que já acontece com o monitoramento do desmatamento nos diversos biomas.

É precipitado imaginar que 3000 lixões no Brasil vão desaparecer em 4 anos. Também é muita ingenuidade imaginar que as prefeituras têm interesse genuíno em encerrar esses espaços, que, em muitos casos, reduz despesas dos órgãos na gestão e destinação dos resíduos.

O descarte clandestino e ilegal de entulho resulta em um cenário caótico para a cidade e para os cidadãos. O entulho acumulado na área urbana aumenta consideravelmente o risco de doenças relacionadas ao mosquito Aedes Aegypti.

O atingimento das metas de encerramento dos lixões no Brasil vai exigir uma mudança de cultura dos órgãos públicos, com pouco espaço para “achismos” e ideias extravagantes. Combater esses crimes vai demandar uma integração entre as prefeituras, estados e Ministério do Meio Ambiente e, acima de tudo, alguém que seja capaz de assumir o assunto, de trazer a sociedade para a causa, de cobrar os atores e de brigar.

O atual estado da “coisa” permite que pelo menos os lixões sejam reconhecidos como locais ilegais ou clandestinos. Então, ainda que a lei não seja completamente cumprida, temos o conceito a nosso favor.

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No geral, tanto a resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) nº 307, assim como a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Marco Legal do Saneamento Básico fizeram a diferença para algumas cidades. É fato que alguns lixões foram encerrados em virtude dessas leis